ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2021.vol06.0003

 

Panorama da religião funerária no antigo Egito: o duplo post mortem dos egípcios antigos

 

Panorama of funerary religion in ancient Egypt: The double post mortem of ancient Egyptians

 

Panorama de la religión funeraria en el antiguo Egipto: El doble post mortem de los antiguos egipcios

 

 

Cintia Alfieri GAMA-ROLLAND

São Paulo/SP, Brasil

 

 


RESUMO

Dentre as civilizações da antiguidade, a egípcia é uma das que mais oferece testemunhos e chama a atenção por seus vestígios arqueológicos e textuais de caráter funerário. A religião funerária desse povo, considerando-se apenas as fontes materiais, pode ser observada tanto por construções monumentais em rocha, como por meio de tumbas escavadas, complexos funerários ou mesmo por objetos das mais diversas formas e finalidades, como sarcófagos, caixões, vasos canopos ou estatuetas funerárias. Além dos documentos já mencionados, tem-se um grande número de fontes escritas referentes ao contexto funerário egípcio que dizem respeito tanto a cosmogonias quanto à confecção de amuletos, encantamentos e guias para a vida após a morte. Tendo em vista a amplitude da religião egípcia como um todo, este artigo apresenta uma breve visão acerca da religião funerária egípcia antiga a partir das fontes textuais. Logicamente, não se objetivou fazer aqui uma extensa análise de todo esse universo religioso que, por si só, exigiria um volume próprio. Com isso, foram abordados os três principais corpora de textos funerários e, em seguida, analisou-se os destinos post mortem.

Descritores: História, civilização, práticas religiosas, ritos de morte.


ABSTRACT

Among the civilizations of antiquity, the Egyptian is one of those that offers the most testimonies and draws attention for its archeological and textual traces of a funerary character. Considering the material sources alone, their funerary cult can be observed in their monumental stone constructions, excavated tombs, funerary complexes or even objects of various shapes and purposes such as sarcophagi, coffins, canopic jars or funerary figurines. Besides the documents already mentioned, there are numerous written sources about the Egyptian funerary cult describing both, the cosmogony and the crafting of amulets, spells and guides for life after death. Considering the extent of the Egyptian religion, this article aimed to provide a brief view of the funerary religion in ancient Egypt from textual sources. Naturally, there was no intention here to examine this entire religious universe, which on its own would require another volume. Therefore, we aimed to present the three main corpora of funerary texts and then analyze post mortem destinies.

Descriptors: History, civilization, religius practices, death rites.


RESUMEN

Entre las civilizaciones de la antigüedad, la egipcia es una de las que ofrece más testimonios y llama la atención por sus restos arqueológicos y textuales de carácter funerario. La religión funeraria de este pueblo, si tenemos en cuenta solo las fuentes materiales, se puede observar tanto en sus construcciones monumentales de roca, como en tumbas excavadas, complejos funerarios o incluso por objetos de las más diversas formas y propósitos, como sarcófagos, ataúdes, cofres canopos o estatuillas funerarias. Además de los documentos ya mencionados, hay un gran número de fuentes escritas que hacen referencia a la cultura funeraria egipcia y que describen tanto a las cosmogonías como a la elaboración de amuletos, encantamientos y guías para la vida después de la muerte. Teniendo en cuenta la extensión de la religión egipcia, este artículo pretendió elaborar una breve descripción de la religión funeraria del antiguo Egipto a partir de fuentes textuales. Lógicamente, no se pretendió hacer aquí un análisis extenso de todo este universo religioso, que, en sí mismo, requeriría un volumen propio. Siendo así, presentamos los tres principales corpora de textos funerarios para luego analizar los destinos post mortem.

Descriptores: Historia, civilización, práticas religiosas, ritos de muerte.


 

 

Os textos funerários

A religião funerária dos egípcios antigos apresenta, de acordo com a época, diferentes maneiras de representar o pós-morte. Diversas correntes, essencialmente ligadas às doutrinas heliopolitana e osiríaca, coabitaram, se sobrepuseram e foram sendo adaptadas com o tempo. Para compreendermos esse "Além" egípcio, fizemos um recorte dos textos egípcios que tratam do tema, destacando três textos base: "Textos das Pirâmides", "Textos dos Caixões" e o "Livro dos Mortos" ou "Livro Para Sair à Luz do Dia".

Vale destacar que não trabalhamos com as obras derivadas desses textos - como o "Livro do Am-duat" e "Livro dos Portões", que mostram a viagem da barca com Rê criocéfalo; o "Livro das Cavernas", que mostra Rê, novamente como criocéfalo, visitando a pé diferentes lugares do Além; o "Livro da Vaca Celeste"; e o "Livro das Respirações" - por serem livros complexos que marcam, sobretudo, os enterramentos faraônicos, não sendo tão difundidos. E, por mais que os "Textos das Pirâmides" também apareçam apenas nas tumbas de faraós ou das pessoas a eles associadas, como as rainhas, essa obra teria sido a base para os textos funerários subsequentes.

No Antigo Império, os "Textos das Pirâmides", encontrados nas pirâmides de Unas, Teti, Pepi I, Merenrê, Pepi II e das rainhas Neith, Iput, Udjbeten e Ankhesenpepi (Dunand & Zivie-Coche, 2006; Hornung, 2007), preocupavam-se essencialmente com o destino real. A quantidade de fórmulas desse conjunto de textos é muito variável. Em sua publicação, Sethe distingue 714 fórmulas, enquanto que Faulkner chega ao número de 759 (Hornung, 2007). O destino post mortem que prevalecia era o de caráter celeste; afirmava-se que o soberano morto, por diversos meios de ordem ritual ou mágica, ganhava o céu, seja voando, seja subindo uma escada, ou ainda, saltando como um gafanhoto. Como "akh", ou espírito glorificado, ele se unia às estrelas circumpolares ou podia tomar um lugar na barca de Rê e acompanhá-lo em sua jornada diurna e noturna.

De uma maneira geral, os encantamentos dos "Textos das Pirâmides" tratam principalmente da subida do rei morto ao céu e sua recepção pelos deuses (Hornung, 2007). Essa ascensão estaria ligada à doutrina heliopolitana e, em teoria, contradiz o domínio de Osíris, o mundo subterrâneo, que ainda não era predominante na ideia de Além. No encantamento 251a , dos "Textos das Pirâmides", essa ideia de separação está clara, pelas palavras ditas por Nut : "você abrirá o teu lugar no céu entre as estrelas, você não é uma estrela ? [...] e do alto, você olhará Osíris comandando os espíritos. Você está longe dele, você não está entre eles e você não estará entre eles". Esse texto denota uma negação da morte e da presença do soberano no reino dos mortos de Osíris (Morenz, 1962, p. 264), representadas pela afirmação de uma vida celestial longe da inércia característica do "Mundo Inferior", isto é, o destino osiríaco ainda não tinha seu posto de desejável. Por mais que fossem feitas referências ao Mundo Inferior, sugerindo que o Além seria subterrâneo, o destino do rei, na ascensão após a morte, tendia mais para um Além solar e celestial, não sendo nada mais do que um retorno do rei à sua origem (Davies, 1977).

Nesse momento, a topografia do Além ainda estava mal definida, mas revelava, dentre outros lugares importantes, os paradisíacos "Campos de Juncos" e de "Oferendas", onde o céu era cortado por rios, sobre os quais os deuses e mortos circulavam em barcas (Hornung, 2007), denotando o início da associação do mundo dos mortos com o Egito dos vivos.

Seguindo essa linha de aproximação do mundo dos vivos com o dos mortos, nos "Textos das Pirâmides" são encontradas fórmulas mágicas associadas à vida terrena, como aquelas contra serpentes e escorpiões, que estão no mesmo contexto das fórmulas para integração do morto às revoluções cíclicas do cosmos, a fim de triunfar contra a morte.

Tendo como função essencial garantir a felicidade do rei no Além, empregava-se toda uma articulação de fórmulas que negavam a morte, o que pode ser verificado pela não utilização das palavras "morte" ou "morrer", como uma clara afirmação de que o morto vive (Breasted, 1912/1970).

É interessante observar também que, nos "Textos das Pirâmides", o universo osiríaco era visto como negativo, como o mundo dos mortos, enquanto a luz e a vida estavam em companhia de Rê. A dependência da luz do Sol está expressa em quase todos os textos funerários, assim, o morto desejava deixar a sua tumba durante o dia, momento em que o Sol ilumina a Terra, passando por diversas transformações, para voltar à noite e entrar no reino de Osíris, iluminado pelo Sol. Assim, o morto, ao contrário dos vivos, dispunha de 24 horas de luz solar, agindo em todos os domínios: inferior, terrestre e celestial.

Com isso, pode-se afirmar que a ideia central dos "Textos das Pirâmides" é a de garantir o Além real, por meio de uma negação da morte enquanto inércia e falta de vida, afirmando a todo o momento que o rei estava vivo e chegaria vivo ao céu, de onde ele teria vindo. Assim, nesse primeiro corpus de literatura funerária, há um destino associado ao céu, às estrelas e ao Sol, do qual o mundo subterrâneo começava a fazer parte como coadjuvante, com Osíris agindo na restauração do corpo e da força física.

O fim do Antigo Império causou uma alteração social e religiosa que afetou a organização do culto funerário, com a extinção das instituições estatais que mantinham os sepultamentos ou o fim da doação do rei para o culto do morto. Afetou também as ideias sobre o Além, pois, passaram para elite não apenas as prerrogativas terrenas dos reis, como também o destino pós-morte, isto é, a ascensão ao céu e a convivência com Rê (Schneider, 1977).

Com o advento do Médio Império e os "Textos dos Caixões", percebe-se uma aproximação maior das crenças solares com as osiríacas. Também é nesse conjunto de textos que se nota a entrada de Rê no domínio subterrâneo e a ascensão de Osíris como senhor do "Mundo Inferior", "dAt". Mesmo com diferenças, o "Texto das Pirâmides" e o "Texto dos Caixões" parecem pertencer a uma mesma tradição e a um universo que, sem ter ignorado Osíris, ainda não tinha se tornado osiríaco, como acontecerá com os textos posteriores (Jacq, 1986).

De uma maneira simplista e esquemática, pode-se dizer que nos "Textos das Pirâmides", é Osíris quem entra no domínio solar e que, nos "Textos dos Caixões" (e no "Livro dos Mortos"), é Rê quem visita o mundo subterrâneo de Osíris (Breasted, 1912/1970), o que será observado nos textos do Mundo Subterrâneo do Novo Império.

Nos "Textos dos Caixões", o morto identifica-se com ambos os deuses, sobretudo nos encantamentos de números: 1068 - identificação com Rê e passagem deste pelo "Duat" (Carrier, 2004); 1099 - o morto na barca com o Sol e "justificado" pelo tribunal de Osíris (Carrier, 2004) ; 1131 e 577 - identificação com Osíris e sua vida no Além (Carrier, 2004). A balança de poder acabou com a associação entre os dois deuses e, eventualmente, eles poderiam ser vistos como um único deus: o corpo é Osíris e a alma, Rê.

O essencial do conteúdo dos encantamentos dos "Textos das Pirâmides" é retomado, em particular, as bases materiais de existência no Além, juntamente com a proteção contra os perigos e os seres hostis e a integração ao ciclo solar, às quais se acrescentaram as fórmulas de transformação (encantamentos 268 a 295). Um tema novo trata da reunião esperada com os parentes, dos encontros do morto com sua própria família no Além (Hornung, 2007), o que pode ser verificado nas fórmulas 131 a 146.

No Médio Império, ganha força a ideia de um reino dos mortos que se encontra sob a terra, onde Osíris é soberano e que é chamado, assim como a necrópole, de "Amentet", "Ocidente", ou também "Duat", câmara oculta. Esse pós-vida osiríaco, que começou a se manifestar nesse período, ainda não apresentava a hegemonia da qual desfrutaria mais tarde (Dunand & Zivie-Coche, 2006). Mas, o maior espaço ocupado por Osíris na teologia funerária já pode ser observado, inclusive, nas fontes materiais que surgiram nesse período, pois, no Médio Império vê-se, pela primeira, vez as figuras mumiformes como substitutos do morto, lembrando que o deus Osíris é representado de maneira mumiforme e, por isso, acredita-se que as representações desse tipo estejam correlacionadas a essa divindade.

Por fim, cabe dizer que, para Willems (2008), o mundo dos mortos descrito nos "Textos dos Caixões" não apresenta apenas um caráter mitológico, associado aos deuses como sempre se pensou, mas também um profundo vínculo com a vida terrena, pois, o Além era uma cópia ritualizada do que ocorria no mundo dos vivos, uma projeção do meio social terrestre: os mortos trabalhavam em campos, ficavam com suas famílias e amigos, brigavam e deviam resolver problemas diante de tribunais.

No Novo Império, surgiu mais um corpus funerário conhecido como "Livro dos Mortos" ou "Livro para Sair à Luz do Dia" - nome que designa um conjunto de fórmulas geralmente escritas em papiro e que também podem ser encontradas em shabits (estatuetas de servidores funerários) ou escaravelhos, datadas do Novo Império, Terceiro Período Intermediário e Baixa Época, que seguem o mesmo modelo dos "Textos dos Caixões", com encantamentos para auxiliar o morto. Como os dois corpora anteriores, o "Livro dos Mortos" tinha como função, em primeiro lugar, garantir a segurança do morto; tratava-se de uma ajuda prática, um guia mágico para o Além (Hornung, 2007).

Esse livro funerário, ao invés de ser escrito em caixões ou nas paredes das pirâmides, teve como suporte rolos de papiros que eram colocados entre as pernas dos mortos, entre as bandagens, ou ainda, dentro de estatuetas de madeira com a representação de Osíris ou do deus Sokar (Dunand & Zivie-Coche, 2006). Assim, esse tipo de texto, antes estritamente direcionado aos reis, nas pirâmides, tornou-se acessível a um grupo da população que não pertencia strictu sensu à elite da sociedade.

No "Livro dos Mortos" há textos divididos em rubricas, o que denota que os redatores tentaram organizar as ideias funerárias utilizadas nos livros funerários anteriores. Um dos conceitos que aparece com mais ênfase trata do direito do morto de ir e vir livremente, de circular sem entraves, de entrar e sair da sua tumba. Ainda, após ter êxito na pesagem do coração diante do tribunal e de ter declarado sua inocência na "confissão negativa", o morto podia viver no Ocidente, junto com Osíris, o soberano do Além; inclusive, o Capítulo 110 especifica que a vida nos campos seria como a vida terrena, onde se podia comer, beber e fazer uso das capacidades sexuais.

De acordo com o "Livro dos Mortos", além de um pós-vida no Ocidente, o morto também fazia parte da viagem cotidiana da barca solar, participando do renascimento triunfal de Rê a cada manhã, tornando-se um "glorificado", "akh". Com isso, percebe-se que a doutrina solar não foi abandonada, assim como não foi a celestial; Rê e Osíris, ambos senhores da "mâat", longe de serem incompatíveis, eram dois aspectos de uma mesma entidade divina (Assmann, 2000, pp. 25-26). Percebe-se, aqui, o desejo egípcio de não abandonar ideias, mas sim de unificá-las, por meio de conceitos teológicos.

Essa unificação pode ser observada, mais precisamente, no Capítulo 180 do "Livro dos Mortos", que tem por título:

Fórmula para sair à luz do dia, adorar Rê no Ocidente, louvar os habitantes da Duat, abrir os caminhos ao bem-aventurado perfeito, que está no mundo dos mortos, dar o caminhar e a liberdade dos movimentos, entrar e sair do mundo dos mortos, fazer as transformações como uma alma viva (Barguet, 1967, p. 264).

Nesse título, observa-se a união de conceitos referentes tanto a um destino osiríaco, como solar, aliando o mundo subterrâneo e ocidental à luz solar e à retomada das capacidades físicas.

Destaca-se ainda, no início desse mesmo Capítulo 180, o trecho: "Ó Rê que repousa em Osíris em todas as suas gloriosas aparições [...]" (Barguet, 1967, p. 264), onde pode-se observar a união de Osíris em Rê ou de Rê em Osíris. Sobre essa união dos dois deuses, vale destacar o texto "Litanias de Rê", encontrado no fim da XVIII Dinastia, que ainda descreve as 75 formas ou aparições do Sol.

O "Livro dos Mortos", contrariamente aos "Textos das Pirâmides", apresenta um caráter mais "popular", constituído por fórmulas mágicas dirigidas ao morto. Outro conceito importante desenvolvido trata do julgamento do morto, que permite a todos os justos que tenham vivido de acordo com a "mâat" desfrutarem de uma vida após a morte associada a Osíris (Erman, 1937).

Na tumba de Nakht, da XVIII Dinastia, temos exemplos de como o morto imaginava uma bela vida no Além:

Glória no céu, força sobre a terra e justificação no Mundo Inferior. Entrar na minha tumba e de lá sair; que eu beba cada dia do meu lago; que meus membros cresçam; que o Nilo me dê alimentos e comidas e todas as plantas frescas na sua estação; que eu passeie em torno do meu lago, todo o dia, sem parar; que minha alma volteje sobre os ramos das árvores que eu plantei; que eu me refresque sob meus sicômoros, que eu coma as frutas que eles dão; que eu tenha uma boca com a qual eu fale, como os servidores de Hórus; que eu suba ao céu e que eu desça sobre a terra, sem que me seja imposto nenhum obstáculo; que ninguém aprisione o meu ka; que ninguém aprisione meu ba; que eu esteja junto àqueles que são louvados dentre os veneráveis; que eu trabalhe a minha terra nos campos de Iaru; que eu chegue aos campos de alimentos; que venham a mim cântaros e pães, com todos os alimentos do senhor da eternidade; que eu receba meu alimento da carne que está sob a mesa do grande deus (Erman, 1937, pp. 267-268).

Paheri, príncipe de El-Kab, desejava algo semelhante a Nakht:

[...] Tu vives novamente, tua alma não se separa do teu corpo. Tua alma é divina dentre os "glorificados" e as almas perfeitas falam de ti. Tu estás com eles e recebes o que te é dado na terra: tu possuis água, ar e tens em abundância o que desejas. Teus olhos te são dados para ver, tuas orelhas te são dadas para ouvir o que dizem. Tua boca fala, tuas pernas andam e tuas mãos e braços se movem. [...] Tu sobes e desces sem que te parem, tu não és expulso do Duat [...] Tu entras na sala das duas verdades e o deus te saúda. Tu te satisfazes ao trabalhar na tua porção dos campos de Iaru, o que tu necessitas nasce de teu trabalho [...] Cada manhã tu sais e cada noite tu voltas [...] Tu contemplas Rê no horizonte do céu, tu vês Amon quando ele se levanta [...] (Erman, 1937, pp. 268-269).

Com esses dois exemplos e os encantamentos do "Livro dos Mortos", pode-se perceber que, nesse estágio da história egípcia, os objetivos do morto eram de: (i) simultaneamente, ocupar os três espaços que constituíam o mundo egípcio: a terra, o céu e o Mundo Inferior; (ii) viver no Além como se vivia em vida e, ao mesmo tempo, entrando e sendo aceito nos domínios inferior osiríaco e celeste do deus Rê; (iii) tentar aproveitar ao máximo a luz solar em todos os mundos, sendo aceito pelos outros mortos e mantendo todas as capacidades que possuía em vida, sem deixar de navegar na barca solar.

Enquanto nota-se uma tendência nas tumbas de particulares de representar a vida terrena com inserções de capítulos do "Livro dos Mortos" em suas paredes, nas tumbas reais, pode-se perceber outro gênero litúrgico, que tem sua origem no "Livro dos Dois Caminhos" do Médio Império: as cosmografias. Esse tipo de texto descreve minuciosamente a viagem noturna de Rê durante as 12 horas da noite, por regiões atravessadas por um rio subterrâneo pelo qual navega a barca solar (Dunand & Zivie-Coche, 2006).

Assim, pode-se perceber que os egípcios, por meio de todos os seus textos funerários, partindo dos "Textos das Pirâmides", até seus livros mais recentes, como o "Livro das Respirações", não sustentaram necessariamente apenas uma visão do "Outro Mundo", mas, pela tendência de não abandonar conceitos mais antigos, eles foram capazes de manter duas ou mais noções conflitantes ao mesmo tempo, tornando-as perfeitamente compatíveis, devido ao grande esforço dos sacerdotes (Spencer, 1991).

Desse modo, nos "Textos das Pirâmides", o destino real é tanto solar, como estelar, embora Osíris não se encontre totalmente excluído desta obra: como deus, ele aparece nos "Textos das Pirâmides", intimamente relacionado à realeza, o que pode ser explicado pelo seu próprio mito, no qual ele é representado como o primeiro rei egípcio. Com o "Texto dos Caixões", inicia-se a entrada do destino osiríaco em detrimento do destino estelar, porém, sem abandonar a relação com o deus Rê. Nessas duas obras, o destino solar é central, enquanto no "Livro dos Mortos", ambos os destinos post mortem têm igual importância.

Finalmente, cabe dizer que, por mais que a complexidade da religião funerária egípcia forme uma mandala de conceitos, muitas vezes, a dificuldade de abandonar ideias precedentes e a falta de habilidade em adotar rápidas mudanças contribuíram fortemente para a estabilidade e a manutenção da natureza da civilização egípcia, sendo essas as razões prováveis para a durabilidade dessa religião (Speelers, 1923).

Entretanto, saber até que ponto composições tão diferentes do ponto de vista formal refletem uma concepção uniforme do Além é uma questão em aberto. Mas, é incontestável que o Novo Império marcou uma virada e, talvez, a diferença entre o "Livro dos Mortos" e os livros do Mundo Inferior seja a de que estes forneceriam verdadeiras descrições do Além, ao passo que o "Livro dos Mortos" seria mais uma ajuda prática para a viagem e a estadia no Além. (Hornung, 2007).

 

Os destinos post mortem

Tendo em vista todos os monumentos e registros egípcios referentes à morte, seria fácil pensar que esse povo fosse tétrico, mas, na verdade, os egípcios antigos tinham um grande amor à vida cotidiana e ao mundo terreno, constantemente representado em suas tumbas e refletido no destino funerário. Eles nutriam dúvidas com relação ao pós-vida, a uma existência desencarnada e aos ritos que deveriam animar o morto. No entanto, a morte era concebida como um elemento de ordem do mundo e os egípcios previam esta morte durante sua vida. Mesmo assim, há toda uma série de documentos que mostram que eles também tinham medo desse evento; eles evitavam a palavra morte e as representações do morto e, nas fórmulas conhecidas como apelos aos vivos, tem-se a seguinte frase: "vós que amais viver e detestais morrer, pronunciem (para o morto)" (Morenz, 1962, p. 244).

Como forma de controlar esse medo de um destino incerto e desconhecido, fizeram um mobiliário funerário e guias do Além, para garantir um pós-vida mais confortável e seguro, tentando controlar e delimitar o incontrolável.

Relacionada aos ciclos da natureza - solar, agrícola e cheias do Nilo - , a morte estava inserida no grande esquema da criação e era vista como cíclica, sem ser uma mudança brusca ou mesmo uma quebra. A morte não era um fim, mas sim uma etapa, um estado de transição que possibilitava a entrada na outra vida, a vida eterna (Taylor, 2001). Na verdade, fica claro em diversos textos funerários que o morto não partia desse mundo como morto, mas sim como vivo, como um "sah".

No início dos conceitos de além-vida, a alma dos mortos particulares deveria morar na tumba e receber as oferendas ali depositadas, por meio da sua estátua. O conceito de alma para os egípcios antigos não é o mesmo que o da sociedade judaico-cristã. Os egípcios consideravam três formas espirituais: "ba", "ka" e "akh", sendo que "ba" é o mais próximo do que entendemos por alma, também chamada de "psiché" pelos gregos. Gardiner identifica o "ba" como um dos modos de existência, no qual o morto continuaria a viver, em que é seguido pelo estudo de Herman Kees, que entende que o "ba" é caracterizado pela liberdade de movimento pela qual o morto continuaria a viver (Zabkar, 1968, pp. 1-2). O destino último do "ba" seria estar junto dos deuses, viajar na barca solar, encontrar Osíris, estar no céu e na terra, com liberdade sem limites, podendo entrar e sair do Ocidente e do Oriente, sendo próspero na terra e o agente da atividade sexual do morto na vida após a morte, assim como ocorre com Osíris (Zabkar, 1968, p. 101). O "ba" é uma personificação da força vital, física e psíquica da pessoa, é a verdadeira natureza e forma do morto, um alter ego personificado do morto (Zabkar, 1968, p. 113).

A estátua do morto servia como repositório para um dos seus aspectos espirituais, o "ka", ou duplo, que dava força para o morto no Além e que ingeria os alimentos. Já o "ba", seria um espírito móvel relacionado às transformações do morto e às viagens diurnas e noturnas. Enquanto o "ka" ficava na tumba, o "ba" saia dela com o nascer do sol, voltando à noite.

Após a XII Dinastia surgiu uma teoria mais espiritual, com a crença de que a alma partiria para o mundo de Osíris, em vez de ficar na terra, sendo obrigada a cumprir lá, em "Imentet", o que se fazia na terra, porém, eternamente (Petrie, 1974, p. 3).

De acordo com a religião egípcia, pode-se perceber a existência de três mundos igualmente reais e relacionados entre si: o mundo dos vivos, terreno; o dos deuses, sobretudo celestial; e o dos mortos, inferior (Speelers, 1923). Dessa tripla concepção do universo, resultava a intervenção de um mundo sobre o outro e a organização do cosmos para esse povo.

O tempo de vida era chamado de "aha'u", com 30 anos para o período de uma geração; 100 anos, para o máximo de vida; e 110 anos, a idade ideal para a experiência terrena, sendo que os últimos 10 anos eram considerados como um extra concedido pelos deuses (Hornung, 1992).

Assim, na origem da viagem para o Além havia a morte. Não uma morte anárquica, pois existia um modelo: as mortes do faraó e a de Osíris. Esta morte era a partida, o rei ia e voltava, dormia e acordava, morria ao partir e ressuscitava ao voltar. Ir e vir faziam parte das novas capacidades do rei, que, na sua função de viajante, era capaz de ultrapassar as fronteiras entre a vida e a morte.

Recusando a resignação, afirmando que a morte não era nada além do que uma forma de vida, o morto - o rei nas épocas antigas ou, posteriormente, o indivíduo - tinha como preocupação essencial evitar, a todo o custo, a destruição, a segunda morte, que era a inércia absoluta, que proibia toda a mobilidade em direção a outra realidade (Jacq, 1986).

No Antigo Império, como é mostrado nos "Textos das Pirâmides", o rei estava destinado a uma verticalização do pós-morte, com sua subida ao céu, enquanto que o povo apresentava uma horizontalização do Além, pela vida na tumba (Jacq, 1986). O objetivo último dessa subida aos céus era o de ir em direção a Rê, uma viagem do rei de volta à sua origem celeste, para o seu pai.

A livre circulação em todos os espaços era um ideal fundamental do morto "glorificado" porque a viagem fazia parte da ordem cósmica, cuja permanência era uma das chaves da religião egípcia (Jacq, 1986). No contexto da religião funerária egípcia, pode-se distinguir três tipos de passagens ou viagens empreendidas pelo morto.

A primeira é uma viagem da cidade dos vivos para a necrópole, após o período de mumificação, quando acontece o deslocamento da casa do morto até o rio, sua travessia e o transporte para a necrópole, onde são feitos os rituais. A segunda viagem é a passagem entre a existência terrestre e a vida além-tumba, que é indissociável dos ritos praticados sobre a múmia, alterando o ser que está morto, que passa a ser um vivo no Além. Por fim, a terceira é composta pelas ações do morto no Além, até ele atingir o seu destino no pós-vida (Jacq, 1986). Os textos funerários afetavam principalmente as duas últimas viagens, pautando os ritos, tornando o equipamento funerário eficaz e guiando o morto até sua justificação e glorificação, isto é, até a eternidade.

As concepções com relação ao Além egípcio são diversas e, dentre elas, a noção de um Além como o reflexo do próprio território egípcio parece ser uma forma de substrato de todas as ideias do post mortem, presente nos textos referentes ao Além.

De forma sintética, pode-se dizer que o pano de fundo desse imaginário relacionado ao destino do morto mostra a união de certos aspectos ligados tanto ao Ocidente, como ao ciclo solar. Assim, após o falecimento, o morto saia do domínio terrestre e entrava em outra esfera de contato, um mundo próximo aos deuses e com características distintas daquelas do terreno, sem deixar, ao mesmo tempo, de ser um reflexo da vida na terra. Deve-se esclarecer que, por mais que a pessoa morta saísse do mundo dos vivos, ela ainda tinha meios de interferir neste mundo, cite-se aqui as cartas aos mortos.

Não se pode negar que os poderes de Rê e de Heliópolis tinham uma maior influência nos "Textos das Pirâmides", no entanto, há uma infinidade de aspectos referentes aos conceitos celestiais ou solares. Um deles trata do destino do faraó como estrela no corpo de Nut, a deusa do céu, que, mesmo sendo celeste, alia-se ao destino osiríaco, sob a forma da constelação Órion, uma manifestação de Osíris, segundo a qual ele é pai de Hórus Sopd.

Mesmo com esse caráter celeste, percebe-se uma tentativa, principalmente no "Livro dos Mortos", de transformar o deus Osiris em proprietário de um domínio ctônico, o que se pode notar no diálogo de Osíris com Atum (Capítulo 175), em que o primeiro queixa-se de estar em uma região sem água, sem ar, escura e profunda (Budge, 1999, pp. 325-327).

Por mais que o além-vida associado a Osíris não seja o mais antigo, nem o fundador de uma expectativa de vida póstuma, há algo de diferente na concepção de imortalidade associada a esse deus, em comparação com a concepção solar ou a celestial. Primeiramente, havia um conceito corpóreo de vida após a morte, isto é, enquanto no destino celeste o morto passava por transformações - falcão, escaravelho, ganso -, no sistema osiríaco, era o corpo do morto que continuava e com o qual a vida no post mortem prosseguia.

Como Osíris, os humanos deveriam morrer, mas também viver novamente com o seu corpo terreno e todas as características que tinham em vida, agindo tanto no Mundo Inferior como na terra. Para tanto, o corpo tinha um papel fundamental como centro da ressurreição e conservação dos elementos imateriais e eternos do ser humano, o que tornava a sua preservação necessária (Wiedemann, 1901). O "ka" tinha um repositório, assim como o "ba", que podia sair durante o dia, mas voltava à noite, havendo, assim, a reaproximação dos elementos que tinham sido separados pela morte.

Como Osíris foi capaz de se levantar de seu sono da morte, também o rei morto podia levantar-se e tomar posse do seu corpo novamente. Com isso, a morte era apenas um sono e era negada (Griffiths, 1966) pela afirmação da vida, pela retomada das ações do corpo, alcançada por rituais - o de "Abertura da Boca", o principal deles; a mumificação; e, por conseguinte, a transformação do morto em um "sah". Desse modo, "O rei não parte morto, ele parte vivo, sentado no trono de Osíris" (Textos das Pirâmides, encantamentos 134a-b).

Como meio para atingir a eternidade no Além, os mortos identificavam-se com Osíris que, de acordo com a mitologia egípcia, venceu a morte. O filho do morto tinha que se identificar a Hórus e fazer pelo seu pai o que aquele havia feito por Osíris, o que incluía a mumificação, o mencionado ritual de Abertura da Boca e o culto póstumo.

Dessa maneira, pode-se afirmar que o formato de múmia nada mais é do que uma maneira de se aproximar de Osíris, havendo a identificação do morto com esse deus, na expectativa de se conseguir controlar a morte, retomar o controle do seu corpo e ser eterno em paz, no Além, assim como o próprio deus.

Existe, na verdade, uma doutrina de continuação da vida mais do que de ressurreição ou ressuscitação no Além. Desse modo, a diferença entre a teologia heliopolitana ou solar e a osiríaca é a de que a primeira nega a morte, enquanto a segunda a aceita como uma transformação do morto em espírito "glorificado", "akh".

A transformação em espírito "glorificado", que implica a mutação em várias formas, era uma maneira de atingir a vida no céu e, entre os principais meios para se obter esse estado abençoado, estavam a escrita e a recitação dos textos mágicos compostos para esse objetivo (Griffiths, 1966).

Breasted (1912/1970) explica que o destino solar e o osiríaco tinham suas diferenças, devido a origens opostas. Enquanto o culto solar teria vindo de uma teologia estatal, Osíris fazia parte de uma crença mais popular, com grande apelo individual, sem todas as transformações místicas associadas ao destino solar. Assim, para esse autor, primeiro teria havido uma crença em um Além subterrâneo, pertinente a todo ser humano, seguido por um Além celestial, privilégio dos reis, que aparece nos "Textos das Pirâmides", já em uma fase na qual Osíris é citado nestes textos. Com o crescimento da crença em Osíris, que teria desbancado outros deuses do Mundo Inferior como Anúbis e Quentiamentiu, aconteceu uma competição entre esses dois sistemas religiosos, gerando uma unificação dessas formas de pensamento, conhecida como "osirização" da religião (Breasted, 1912/1970). Porém, mesmo com a unificação dos conceitos celestial/solar e subterrâneo/osiríaco, percebe-se que se manteve certa distinção entre o destino dos faraós e o do povo. Enquanto nas tumbas privadas, encontram-se textos referentes ao "Livro dos Mortos", para os faraós, há livros funerários específicos, como o "Livro do Am-duat", "Livro das Cavernas", "Livro das Portões", "Livro da Terra", "Livro das Doze Horas da Noite", "Livro das Doze Horas do Dia" e ainda as "Litanias de Rê" e o "Livro da Vaca Celeste" - todos estes textos entraram em vigor nas tumbas reais, assim que o "Livro dos Mortos" tornou-se mais popular.

Uma importante conexão entre os deuses Osíris e Rê é a morte deste último, que se dava no fim de cada dia no Ocidente. O deus, em sua forma espiritual, atravessava o Mundo Subterrâneo de Osíris, onde ocorria a união de ambos, para a regeneração tanto dos que viviam no Mundo Inferior quanto à do Sol em si.

No que concerne à evolução do equipamento funerário, pode-se notar um caminhar paralelo à evolução do Além osiríaco na mentalidade egípcia. De acordo com Siedlmayer (citado por Willems, 2008, pp. 142-144), a maior parte das tumbas do Antigo Império não contavam com um equipamento especificamente funerário, mas sim com artefatos escolhidos que apresentam marcas de uso, sendo uma forma de ver o mundo dos mortos como continuação do mundo dos vivos, porém, de uma maneira selecionada, uma vez que o material que acompanhava o morto era constituído de objetos associados a uma elite.

No entanto, no fim da XVIII Dinastia começaram a aparecer, no universo funerário, objetos que não tinham uma utilização cotidiana, como máscaras funerárias, modelos e shabtis. Nessa mudança, havia o desejo de se orientar o corpo do morto, não mais para a cidade, mas, de acordo com os astros, sugerindo uma ideia referente ao Além e uma mistificação do post mortem. Essa tendência manifestou-se inicialmente com os reis, depois com a elite e, em seguida, com o povo em geral.

Desse modo, pela evolução do equipamento funerário também se pode notar uma alteração na concepção do Além que deixou, aos poucos, de ser puramente terrestre e associado à tumba, passando a ser mais etéreo, associado tanto ao céu como ao mundo subterrâneo.

Por fim, no Período Greco-Romano, Osíris continuou a reinar no Mundo Inferior, cercado por deuses e espíritos "glorificados", mas o destino dos homens dependia, agora, apenas de suas ações e não mais de todo o equipamento funerário, o que pode ser verificado pelo conto da descida ao Mundo dos Mortos do sacerdote Khamose, no qual ele vê um rico perder tudo por ter sido mau, enquanto um pobre, sem equipamento funerário, recebe tudo por ter sido bom (Erman, 1937). Isso mostra a que ponto os artefatos mágico religiosos perderam o seu significado, gerando, assim, a decadência de certas crenças funerárias.

 

Considerações finais

Para os egípcios antigos a morte não era o fim, mas apenas uma interrupção na existência, uma interrupção violenta, pois cada morte era como um assassinato e, ao mesmo tempo, a única forma de se atingir a eternidade (Wiedemann, 1901). A morte não era uma inimiga ou um obstáculo, mas uma passagem para outra existência. O objetivo dos egípcios não era o de fugir da morte, mas o de não morrer novamente; eles queriam encontrar do outro lado da vida o que eles tinham gozado na terra (Quirke, 1992).

Como ocorre com Osíris, deus morto que teve que deixar a mulher, o filho e esse mundo, os mortos humanos também deviam deixar a terra, porém, eles "não vão como mortos, eles vão como vivos" ("Textos das Pirâmides", encantamento 134). Os mortos humanos não têm uma vida no mundo dos mortos como fantasmas, eles acordam para uma vida nova, com plena possessão de corpo e espírito, assim como Osíris: "eles possuem seus corações, eles possuem seus espíritos, eles possuem suas bocas, eles possuem seus pés, eles possuem seus braços, eles possuem seus membros" (Erman, 1937, p. 257). A vida continuava, mas agora eternamente e em todos os domínios.

O morto era, enfim, aquele que podia ocupar todos os domínios: terrestre, celestial e ctônico, agindo junto aos deuses, transformando-se em um deus e navegando na barca solar, com a luz sempre ao seu lado, mas sem deixar de viver a vida que teve sobre a terra. A morte nada mais era do que o fechar de um ciclo, o ciclo solar, nilótico e agrícola, o mantenedor das forças criadoras do cotidiano egípcio. O morto bem-aventurado nada mais era do que aquele que aproveitava de todos os meios disponíveis para extrair uma continuidade eterna.

 

Referências

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Recebido: 4 dez 2020
1a revisão: 14 mar 2021
Aprovado: 25 mar 2021
Aprovado para publicação: 05 abr 2021

 

 

Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.
Minicurrículo: Cintia Alfieri Gama-Rolland - Pós-doutorado pelo Museu Nacional; doutorado pela École Pratique de Hautes Études (Paris, França); mestrado em Arqueologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; graduação em História pela Universidade de São Paulo - USP. Professora e coordenadora dos cursos de História, Geografia e Hospitalidade do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU. Ex-conselheira científica do Museu do Louvre (Paris, França). Integrante de três missões arqueológicas no Egito e pesquisadora da coleção egípcia do Museu de Arte de São Paulo - MASP. São Paulo/SP, Brasil. E-mail: gamacintia@hotmail.com