EDITORIAL
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2017.vol02.0007
Priscila Menegon Castrucci Caviglia
(15/04/1958 - 15/09/2017) - In memoriam
Conheci Priscila nos seus 17 anos quando caloura na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Lembro-me bem: uma apresentação rápida, poucas as palavras. Não me dava conta nesse momento que ali começava uma longa caminhada, com encontros eventuais, que iria fazer com que nós, depois de formados médicos psiquiatras, cada um em seu tempo, fizéssemos parte da segunda turma do curso de formação de analistas junguianos da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA), a primeira sociedade junguiana da América Latina a ser reconhecida pela Associação Internacional de Psicologia Analítica (IAAP, sigla em inglês), com sede em Zurique.
No curso da SBPA, tivemos uma maior convivência durante as atividades de formação. Conversávamos sobre amenidades, a família, sobre seus filhos, Tiago e Ivan, que chegaram antes dos meus, com exceção do seu temporão, o Pedro. Em uma ocasião, Priscila compartilhou com o grupo sobre a aventura do seu marido Osvaldo e amigos, que estavam velejando em direção ao Arquipélago de Abrolhos, na costa brasileira, o que nos causou uma grande apreensão devido às turbulências que estavam enfrentando; no fim, felizmente, voltaram todos sãos e salvos. Discutíamos também, claro, sobre nossos casos clínicos, os seminários, o fascínio pela obra do Jung. Priscila se destacava pela boa vontade e simpatia para com todos nesse grupo e sua dedicação à formação era notável.
Terminada a formação, agora analistas junguianos, plenamente reconhecidos, nos dedicamos aos projetos pessoais que estavam em compasso de espera. Mas, foi por pouco tempo. Havia uma vontade de se envolver em um novo desafio do qual Glauco Ulson era a referência, e lá estava Priscila, entusiasmada e entusiasmando. Foi um importante esteio na criação da segunda sociedade junguiana no Brasil. Juntamente com Carlos Alberto Correa Salles (já falecido) de Minas Gerais, Walter e Paula Boechat do Rio de Janeiro, Elizabeth Bauch-Zimermann, Glauco, Priscila e eu, de São Paulo, e 1991, demos início à Associação Junguiana do Brasil (AJB), que congregava na época apenas três institutos dos oito atuais: o de Minas Gerais, o do Rio de Janeiro e o de São Paulo.
No começo, a AJB não tinha grandes pretensões. A ideia era congregar um grupo que pensava diferente sobre a formação, cujos componentes possuíam os mesmos propósitos fundamentais voltados à psicologia analítica. Com o reconhecimento da AJB pela IAAP como instituição autorizada a formar analistas, a Associação se fortaleceu e se expandiu.
Se por 26 anos Priscila foi um dos pilares da AJB, tendo sido uma das suas fundadoras, o mesmo também se pode dizer dela com relação ao Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP) que, embora nascido oficialmente em 1994, já existia informalmente desde a fundação da associação nacional, pois os institutos já eram, desde o começo, o braço executivo da AJB, responsáveis pela divulgação do pensamento junguiano e pela formação dos futuros analistas junguianos regionalmente.
Durante a maior parte desses anos, Priscila ocupou cargos nas diretorias da AJB e do IJUSP. Aliás, foi sua a ideia de mudar a sigla de "IJSP", de difícil pronúncia, para IJUSP. De 2008 até 2014, ela ficou afastada das diretorias, voltando ao cargo de diretora de ensino do IJUSP, que era o que mais a instigava, na gestão 2014-2016.
Em 2016, quando assumimos a nova gestão, ela se prontificou a dar continuidade ao seu trabalho na diretoria de ensino, cuidando, com sua vasta experiência, principalmente do preparo dos futuros analistas junguianos do IJUSP. Desafortunadamente, mal havia passado três meses após o início da nova gestão, ela teve que se afastar por motivos de saúde, não mais retomando suas atividades no instituto, na diretoria de ensino e na prática docente propriamente dita, o que tanto gostava de fazer, com toda a habilidade que tinha para isso. No final de 2016, ela precisou passar por uma cirurgia e, alguns dias após o procedimento, já estava atendendo seus pacientes, que tanto a estimavam. Mesmo nessa fase difícil, Priscila não abriu mão do atendimento.
Tinha o sonho de transformar em realidade o atendimento social do IJUSP, inclusive conectando-o ao curso de formação de analistas, sonho este que vem se materializando gradativamente, embora ainda não faça parte do programa de ensino.
Priscila também participou intensamente do grupo envolvido na criação da Self - Revista do Instituto Junguiano de São Paulo, iniciativa de Dulce Briza e implementada por Ricardo Pires de Souza. Nós do IJUSP tivemos o prazer de contar com sua presença justamente na comemoração do primeiro aniversário da Self em maio último.
Pessoalmente, quando tive a ideia de criar o Núcleo de Espiritualidade e Religião (NERE) do IJUSP, ela, como sempre, apoiou a iniciativa edificante e me ajudou nas atividades de coordenação do Núcleo. Mais uma vez, Priscila teve um papel importante para que uma iniciativa como o NERE tivesse continuidade. Aliás, ela era uma pessoa fortemente ligada à espiritualidade. Era católica convicta com uma grande devoção à religião, de maneira intensa e profunda, o que sempre foi um corolário no seu processo de individuação.
Mesmo após a sua cirurgia, ainda mostrou um grande entusiasmo para celebrar com seus colegas de medicina os 35 anos de formatura, contaminando a todos com seu carinho e simpatia.
Uma curiosidade que provavelmente muitos não saibam é que Priscila era "gringa", como de brincadeira às vezes a chamávamos, pois ela de fato havia nascido na Inglaterra quando seus pais, Plínio e Adriana, passaram um tempo residindo em terras inglesas.
Outro fato que reputo também curioso foi a escolha do tema para sua monografia de analista junguiana: "Um estudo arquetípico da morte". Priscila queria justamente estudar e discorrer sobre a morte e sobre sua importância para o ser humano, desde os mais diversos rituais ao longo da história até as mais diferentes representações simbólicas. Hoje diríamos que a escolha desse tema deve ter lhe ajudado muito no momento de transição da vida material para a espiritual, como ela considerava. Ela e Zilda Machado, sua colega e amiga, publicaram o livro "Perder e encontrar: luto e saudade na psicologia analítica", cada uma responsável por uma das duas partes que, de certa forma, se interconectam.
Por isso, e imensamente mais, Priscila nunca nos deixará, a nós, seus amigos, colegas, pacientes e familiares, pois o seu legado é constituído dos momentos singulares que somente ela pode nos proporcionar com sua alma única.
Candido Pinto VALLADA
Presidente do Instituto Junguiano de São Paulo