RESENHA
DOI: 10.21 901/2448-3060/self-2018.vol03.0007

 

"A garota dinamarquesa". Direção: Tom Hooper. 2015. Universal Pictures (Estados Unidos)

 

"The Danish Girl". Direction: Tom Hooper. 2015. Universal Pictures (United States)

 

"La chica danesa". Dirección: Tom Hooper. 2015. Universal Pictures (Estados Unidos)

 

 

Denise Diniz MAIA

São Paulo, SP, Brasil

 

 

Introdução

Segundo o filósofo russo Nicholas Berdyaev (1690, p. 61-62, citado por Sanford, 1986, p. 12), "o homem não é só um ser sexual mas, igualmente, um ser bissexual que combina em si os princípios masculino e feminino em proporções diferentes e não raro mediante um duro conflito". Jung nos traz o conceito de anima e animus como arquétipos que habitam o homem e a mulher.

Ambos os gêneros contêm em si o outro e identificam seu ego com a qualidade masculina ou feminina de seu corpo. Parceiros num relacionamento têm um papel muito importante, pois cada um precisa do auxílio do outro para conhecer a si próprio. Podemos dizer que o casamento, como um espaço privilegiado, traz a possibilidade de que cada cônjuge, por meio do espelhamento, reconheça a si e ao outro na busca de uma verdadeira alteridade.

 

O filme

"A garota dinamarquesa" conta a história do casal de artistas plásticos Einar e Guerda. Na ausência da modelo, em uma sessão de pintura, Gerda pede ao seu marido que pose como mulher. Apesar de, a princípio, ficar sem jeito com relação à postura e aos adereços femininos utilizados, Einar vai se encantando com a experiência e os sentimentos reprimidos nunca vivenciados que, começam a aflorar. Ele vai se sentindo mais à vontade no desejo de posar e cada vez mais vivenciar situações que tragam a presença desta parte recém descoberta. Gerda, num primeiro momento de forma lúdica, propõe e o estimula, possibilitando que ele se experimente e sua alma feminina vai sendo revelada.

Einar vai assumindo cada vez mais sua personalidade feminina, Lili, - numa jornada sofrida, de confrontos e escolhas, para se tornar a mulher que havia nele e que ele passou a desejar. Cada vez mais ele se torna Lili, e Gerda, com sua cumplicidade e generosidade amorosa, contribui para este processo que vem a transformar profundamente cada um deles. Segundo Jung (1925/1981): "Raramente um casamento evolui a um relacionamento individual de forma serena e sem crises. Não há conscientização sem dores" (OC XII: 331).

O amor, apesar da dor, acolhe e aceita, revelando que não viver uma parte da alma é mutilá-la. O casamento pode ser um encontro dialético e enriquecedor, lugar de enfrentamento da própria sombra; uma relação íntima pode encorajar o desenvolvimento de muitas potencialidades que desabrocham dentro da dinâmica conjugal.

O filme oferece um olhar suave e delicado para a transexualidade, que se evidencia numa pessoa que não se identifica com o seu corpo biológico. Seu gênero psicológico não corresponde aos seus aspectos físicos. Hoje, fala-se do transtorno da identidade de gênero.

O personagem no filme vai adotando, com naturalidade, aspectos femininos e reconhecendo o próprio corpo como parte que não corresponde à mulher que descobre habitar o seu ser: atormentado por habitar um corpo que sente como estranho a si, Einar vai deixando de existir, dando lugar a Lili, com quem se identifica. Não é mais possível retornar à sua condição anterior, a masculina.

Angústias são experimentadas por Gerda e por Einar, e novas situações e conflitos surgem, até acontecer a cirurgia de mudança de sexo de Einar, primeiro paciente transgênero, sempre com a presença e apoio incondicionais de Gerda.

O encontro amoroso entre pessoas, segundo Vanda di Yorio (1996), abre um campo fértil para vivências psicológicas como poucas outras experiências humanas possibilitam, arrastando as pessoas envolvidas às profundezas de suas psiques e encaminhando-as para o bem ou para o mal, na solução pessoal de suas vidas. O relacionamento conjugal pode ser um solo que sustente as experiências de cada parceiro, permitindo assim, o desenrolar da individuação. É um processo de amadurecimento em que cada um terá que enfrentar seus monstros interiores, e que nem sempre levará os parceiros a um mesmo lugar.

Segundo Jung (1928/1981),

O amor tem mais do que uma coisa em comum com a convicção religiosa: ele exige um posicionamento incondicional, ele espera uma doação completa. E como apenas aquele que crê, aquele que se doa por completo a seu Deus, partilha da manifestação da graça de Deus, assim também o amor só revela seus maiores segredos e milagres aquele capaz de uma doação incondicional e de fidelidade de sentimentos... [...] O amor é como Deus..., ambos só se oferecem a seus serviçais mais corajosos (OC X/3: 232).

 

Referências

Di Yorio, V. (1996). Amor conjugal e terapia de casal. São Paulo: Summus.

Jung, C. G. (1981). O desenvolvimento da personalidade. In Obras completas (Vol. 17). Petrópolis: Vozes. (Trabalho originalmente publicado em 1925).

Jung, C. G. (1981). Civilização em transição. In Obras completas (Vol. 10/3). Petrópolis: Vozes. (Trabalho originalmente publicado em 1928).

Sanford, J. (1986). Os parceiros invisíveis. São Paulo: Paulinas.

 

 

Recebido: 11 jul 2018
Aprovado: 1 ago 2018
Aprovado para publicação: 27 ago 2018

 

 

Minicurrículo: Denise Diniz Maia - Psicóloga clínica, com especialização em arte integrativa e em terapia psicomotora e cinesiologia psicológica, com base junguiana. Analista didata do Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP); membro da Associação Junguiana do Brasil (AJB); filiada à International Association for Analytical Psychology (IAAP/Zurich). Diretora administrativa e de comunicações do IJUSP no biênio 2014/2016; coordenadora do grupo de estudos psicológicos da criança do IJUSP. Exerce trabalho clínico com crianças, adolescentes, adultos e orientação de pais. E-mail: maiadenise@terra.com.br; página na internet: www.denisemaia.com.br.
Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.