EDITORIAL
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2019.vol04.0005

 

Emergências na sociedade contemporânea

 

Emergencies in contemporary society

 

Emergencias en la sociedad contemporánea

 

 

O que não se tornou emergência, no sentido de prontidão para a ação, no mundo da internet? Nele, o ritmo dos acontecimentos se assemelha ao de um filme em alta velocidade. A sensação que temos é a de que se não lermos hoje, não visualizarmos ou respondermos algo prontamente, já estaremos desatualizados ou desconectados. A velocidade da internet muitas vezes não é a nossa, mas se impõe sem piedade. As transformações tecnológicas aparecem na sociedade como facilidades, encurtamento de tempo e distâncias, acesso às informações e ao conhecimento, mas vêm acompanhadas do temor de não darmos conta do volume do que se deve saber, fazer, produzir ou consumir.

Aquele chão relativamente firme de quando as informações não chegavam tão rapidamente, se perdeu e, nos últimos anos, vamos aprendendo a surfar no mundo líquido descrito por Bauman (2001).

Temos que estar conectados. A tranquilidade é um berço no qual não podemos mais nos deitar. Por outro lado, o anestésico tecnológico voyeurista que nos protege da dor, também retarda a sua resolução. A não ser que essa resolução seja como a foto de uma Polaroid, sai na hora e não precisa dos banhos alquímicos da revelação. A curadoria nestes nossos tempos de imagens incessantes passou a ser um grande divisor de águas. O risco de nos acostumarmos ao fácil e rápido, tão sedutor, é nos esquecermos que imagem sem reflexão não cria consciência.

O que foi mudado na economia psíquica com essas transformações? Estaria a consciência menos sólida em sua unilateralidade naquilo que defende? Ou o oposto: agarrando-se desesperadamente em seu suposto saber, por medo que o mundo se transforme em um grande mar onde não possamos aportar? Segundo Jung (1928/1990), são muito importantes os movimentos de regressão e progressão da libido, os processos de adaptação são sempre norteados por estes dois movimentos de avanço e recuo da energia psíquica. Se na progressão da libido está a adaptação ao mundo externo, na regressão, serão ativados aqueles conteúdos que foram "excluídos do processo de adaptação consciente" (p. 33, § 63).

Os pares de opostos permanecem unidos durante os processos psicológicos, enquanto dura a progressão da libido. Sua atuação comum torna possível a regularidade do processo que, sem sua polaridade, tornar-se-ia unilateral e ilógico. É por isso que estamos autorizados a considerar todas as extravagâncias e comportamentos exagerados como perda de equilíbrio, por faltar aí, obviamente, a ação coordenadora do impulso contrário (Jung, 1928/1990, p. 32, § 61).

Necessitamos dos dois movimentos para que o processo de reflexão se configure. E, em um tempo onde o mundo externo e a extroversão se tornam tão preponderantes, sintomas como polarizações excessivas podem se manifestar.

Criamos a tecnologia - bem representada por Hermes, deus das comunicações, entre outras atribuições - e para não corrermos o risco de sermos devorados por ela, talvez somente nós possamos fazer algo. O velho Cronos está no Tártaro da modernidade, junto com sua lentidão, mas também com o seu poder de reflexão e cautela. A angústia que emerge e com a qual nos defrontamos em nossas próprias vidas e em nossos consultórios, ao lidarmos com os tempos da tecnologia, leva junto o contemporâneo e o ancestral. Há um esforço para conectarmos o antigo e o novo dentro de nós. Estar atentos aos símbolos que emergem é essencial. A questão política, vivida por todos nós brasileiros em 2018 e que se estende por 2019, é fundamentalmente um fenômeno materializado através das mídias digitais e alimentado por elas. Segundo Delbord, "os homens se parecem mais com seus tempos do que com seus pais" (Debord, 1990, p. 16), citado por Bauman, 2001, p. 163). Parecemos com nosso tempo, mas não há dúvida, que em igual medida e simultaneamente, nos parecemos com nossos pais.

 

Paula Serafim DARÉ e Candido Pinto VALLADA

Editores Científicos

 

Referências

Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar.

Jung, C. G. (1990). A energia psíquica. Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1928).

Debord, G. (1990). Comments on the society of the spectacle (M. Imrie, trad.). Londres: Verso.