ARTIGO DE REFLEXÃO
DOI: 10.21901/2448-3060/self-2020.vol05.0003

 

O diálogo entre as teorias da física quântica e psicologia analítica: uma reflexão sobre a qualidade das conexões humanas

 

The dialogue between theories of quantum physics and analytical psychology: A reflection on the quality of human connections

 

El diálogo entre las teorías de la física cuántica y la psicología analítica: una reflexión sobre la calidad de las conexiones humanas

 

 

Cristiane ADAMO

São Paulo, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este trabalho propõe uma análise reflexiva sobre o possível diálogo entre as mais divulgadas teorias da física quântica e a teoria da psicologia analítica. Por meio do estudo e reflexão sobre cada um dos conceitos, fez-se um paralelo, relacionando pontos em comum e diferenças encontradas entre as teorias. Para aprofundar o assunto, realizou-se uma revisão de literatura e o estudo aprofundado das obras de Jung. A física quântica ilustrou a explicação sobre a mudança de paradigma dos modelos científicos que influenciaram uma nova visão e entendimento do ser humano, do mundo e de suas relações e interações. Existem semelhanças entre algumas descobertas realizadas nos estudos da física quântica e nos fenômenos descritos pela teoria da psicologia analítica, similaridades entre as conclusões que ambas as ciências chegaram sobre a dinâmica do mundo, a importância do ser humano e a teia de emaranhamento e interconexões existentes entre todas as coisas. O diálogo entre os conceitos contribuiu para explicações e reflexões de pontos essenciais no processo de transformação que a consciência e a psique podem proporcionar.

Descritores: teoria quantum, consciência, inconsciente, psicologia junguiana, Jung, Carl Gustav, 1875-1961.


ABSTRACT

This work proposes a reflexive analysis of the possible dialogue between the most publicized Quantum Psychics theories and Analytical Psychology theory. Through the study and consideration of each of the concepts, a parallel was outlined, trying to relate some of their points in common as well as the differences found between theories. In order to go deeper into the subject a review of related literature and an in-depth study of Jung's works were carried out. Quantum Physics illustrated the explanation of the change of paradigm of scientific models that influenced a new vision and understanding of the human being, the world and their relationships and interactions. There are similarities between some findings made in studies of Quantum Physics and the phenomena described by Analytical Psychology theories, and similarities between the conclusions that both sciences have reached in relation to the world's dynamics, the importance of the human being and the web of entanglement and interconnections existing among all things. The dialogue between concepts has contributed to some explanations and reflections of essential points in the process of transformation that consciousness and Psyche can provide.

Descriptors: quantum theory, conscience, unconscious, Junguian psychology, Jung, Carl Gustav, 1875-1961.


RESUMEN

Este trabajo propone un análisis reflexivo de un posible diálogo entre las más difundidas teorías de la Física Cuántica y la teoría de la Psicología Analítica. Por medio del estudio y de la reflexión sobre cada uno de los conceptos, se hizo un paralelo, relacionando puntos en común y diferencias encontrada entre estas teorías. Para profundizar en el tema, se realizó una revisión de las diferentes literaturas y se estudiaron en profundidad las obras de Jung. La Física Cuántica ilustró la explicación acerca del cambio de paradigma de los modelos científicos que influenciaron una nueva visión y comprensión del ser humano, del mundo y de sus relaciones e interacciones. Existen similitudes entre algunos descubrimientos realizados en los estudios de Física Cuántica y los fenómenos descritos por la teoría de la Psicología Analítica, y en las conclusiones a las que ambas ciencias llegaron en relación con la dinámica del mundo, la importancia del ser humano y la red de enmarañamiento e interconexiones existentes entre todas las cosas. El diálogo entre los conceptos ha contribuido para explicaciones y reflexiones de puntos esenciales en el proceso de transformación que la consciencia y la psique pueden proporcionar.

Descriptores: teoría de quantum, conciencia, inconciente, psicología junguiana, Jung, Carl Gustav, 1875-1961.


 

 

Reflexões sobre a física quântica e a psicologia analítica

Nada é mais vulnerável e passageiro do que as teorias científicas que sempre são meros instrumentos e nunca verdades eternas.

(Jung, 1997, p. 252, §577)

O diálogo entre a física e a psicologia não é recente. Jung muitas vezes explorou e debruçou-se sobre o assunto. Por meio de objetos de estudos opostos e linguagens diferentes, as duas ciências convergiram para um mesmo caminho e se aproximaram em suas pesquisas e constatações.

Concomitantemente ao desenvolvimento de algumas teorias da física quântica, desenvolveu-se a questão do inconsciente coletivo na psicologia analítica. Nessa época, Jung manteve intenso relacionamento com físicos contemporâneos e, nesses encontros, ideias e conhecimentos foram compartilhados (Stein, 2004).

Dessa maneira, a associação com a física moderna forneceu o contexto histórico apropriado para o desenvolvimento de muitos aspectos e conceitos da psicologia analítica. Físicos famosos desempenharam um papel influente na reflexão e na formulação da teoria da sincronicidade, principalmente.

Jung conheceu Albert Einstein, e eles jantaram juntos várias vezes, na época em que o físico estava desenvolvendo a Teoria da Relatividade Especial, em 1905. A questão da relatividade do tempo e do espaço foi um diálogo comum nos encontros dos dois, até o momento em que Einstein começava a falar de matemática, quando Jung afirmava não conseguir acompanhar mais a discussão (Stein, 2004).

Outro físico com quem Jung manteve contato foi Wolfgang Pauli; eles trocaram correspondências durante 26 anos. Pauli trabalhou no Instituto Niels Bohr de Física Teórica, em Copenhague, onde nasceu, em 1927, a Interpretação de Copenhague, que apresenta os princípios básicos da física quântica (Stein, 2004).

Com o incentivo de Pauli, Jung passa a explorar a questão de uma simetria oculta dentro do Universo, na perspectiva da Física e da Psicologia. Também foi pela insistência de Pauli que Jung publicou suas reflexões sobre a Sincronicidade, pois eles se tornaram parceiros intelectuais na busca dos padrões internos da natureza.1

Em 1952, Jung e Pauli publicaram um livro juntos, com os textos: "Sincronicidade e o princípio de conexão acausal", de Jung, e "A influência das ideias arquetípicas nas teorias científicas de Kepler", de Pauli (Stein, 2004). Este fato refletiu o quanto a relação entre eles foi bastante significativa, de diálogo e de troca de conhecimentos. Pauli ficou encantado com os fenômenos inconscientes. "Wolfgang Pauli e outros cientistas começaram a estudar o papel do simbolismo arquetípico no domínio dos conceitos científicos" (von Franz, 1964/2005, p. 307).

A psicologia iniciou seu estudo pela psique, enquanto a física iniciou pela matéria. Porém, as duas ciências encontraram-se em um determinado ponto e verificaram que ocorrem transformações no mundo a partir da relação e da interação entre elas.

A psicologia analítica é uma teoria sobre o estudo da psique. A relação entre o consciente e o inconsciente, os símbolos arquetípicos e as interações com a matéria foram as questões inspiradoras no desenvolvimento das análises e conceitos. Jung foi um explorador na observação da dinâmica psíquica e a experiência da alma foi a base de sua teoria (Jung, 1946/1991).

A física, no entanto, é a ciência que se destaca na busca de respostas para as questões envolvendo o estudo da natureza e seus fenômenos, em seus aspectos mais gerais. Busca a compreensão científica dos comportamentos naturais do mundo em nossa volta, desde as partículas elementares até o universo como um todo. Com o amparo do método científico e da lógica, tendo a matemática como linguagem natural, a física descreve a natureza e analisa suas relações e propriedades, além de procurar descrever e explicar a maior parte de suas consequências (Infoescola, 2017).

É importante ressaltar que o que conhecemos como ciência é um processo contínuo de construção do conhecimento, está sempre se renovando e acrescentando novas descobertas e conceitos. Para auxiliar na compreensão da origem e da ascensão da ciência, faz-se necessário examinar alguns detalhes da história e refletir sobre a visão de mundo e o sistema de valores que se encontravam na base de diferentes momentos da evolução humana (Capra & Luisi, 2014).

Segundo Fritjof Capra, doutor em física e teórico de sistemas, antes de 1500, a visão de mundo dominante na maior parte das civilizações era orgânica. As pessoas viviam em comunidades pequenas e coesas e mantinham uma relação de comunhão com a natureza: "experimentavam a natureza nos termos de relacionamentos pessoais caracterizados pela interdependência de preocupações espirituais e materiais e a subordinação de necessidades individuais às da comunidade" (Capra & Luisi, 2014, p. 43).

Os povos "primitivos" eram influenciados por superstições, medos e precauções. As pessoas percebiam uma ligação entre eventos e fenômenos naturais. Para elas importavam a simbologia, os significados, o mistério (Capra & Luisi, 2014).

Na época medieval, aquilo que podemos entender como a "natureza da ciência" tinha como base a razão e a fé e seu principal objetivo era compreender o significado e a importância das coisas, não sua previsão e o seu controle. "Os cientistas medievais, procurando pelos propósitos subjacentes a vários fenômenos naturais, consideravam que questões relacionadas a Deus, à alma humana e à ética eram da mais alta importância" (Capra & Luisi, 2014, p. 43).

A presença dos alquimistas, que realizavam experimentos em busca da transformação por meio dos processos alquímicos e buscavam a purificação da matéria, também foi marcante no período medieval. De acordo com Jung (2011), "a alquimia medieval representa o traço de união entre a gnose e os processos do inconsciente coletivo que podem ser observados no homem" (p.13). Jung descobriu uma incrível concordância entre os símbolos do mundo das imagens do inconsciente e os símbolos da alquimia. Para ele, o processo de individuação se parecia com o caminho que os alquimistas já haviam trilhado, a seu modo, em sua época (Jung, 2011).

Com o passar dos anos, houve uma grande mudança na maneira como as pessoas imaginavam o mundo, e a noção de um universo orgânico, vivo, espiritual foi substituída pela visão metafórica do mundo como uma máquina. "Nossa comunicação direta com a natureza desapareceu no inconsciente junto com a fantástica energia emocional a ela ligada" (Jung, 1997, p. 255, §585).

A concepção mecanicista da realidade tornou-se a base da nova perspectiva de mundo. Esse desenvolvimento foi produzido por mudanças revolucionárias na física e na astronomia, que culminaram nas realizações de Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, René Descartes e Isaac Newton (Capra & Luisi, 2014). Assim, a nova mentalidade e a nova percepção do cosmos tornaram-se a base do paradigma que dominou a cultura durante os últimos 300 anos.

 

Física clássica

Por anos, acostumou-se a olhar o mundo por meio das lentes da física clássica. Encarava-se o mundo a partir de parâmetros mecanicistas e materialistas que surgiram da divisão cartesiana entre mente e matéria e da física newtoniana. De acordo com os físicos José Carlos Valladão de Mattos e Fernando T. Giglio (2018),2 alguns dos principais parâmetros da física clássica são:

Determinismo e materialismo: O universo é composto por matéria e é regido pela lei da causa e efeito. Tudo é determinado: se conhecermos as forças que atuam e as condições iniciais, estaremos habilitados a conhecer seus efeitos. Eventualmente, podemos não conhecer seus efeitos e não localizar a causa por falta de material, ou seja, por falta de um instrumental adequado.

Objetividade: mente e matéria são separadas; esta é uma das bases da pesquisa científica clássica.

Localidade: objetos separados no espaço e no tempo são independentes entre si. É preciso que exista tempo para que a energia possa fluir de um ponto a outro, ou seja, para haver uma comunicação. Caso contrário, os objetos são independentes.

Reducionismo: os sistemas complexos devem ser reduzidos às suas partes, tanto a inteira quanto a metade.

Na física clássica, o axioma básico diz que tudo é matéria. Para a ciência materialista, tudo o que existe é, fundamentalmente, apenas matéria.

Nesta perspectiva, há pouco lugar para os valores e o significado ou para os fatos interiores da experiência; a subjetividade foi descartada na construção do saber científico. A questão do sentido não cabe em um reducionismo causal, pois o sentido está ligado à procura da totalidade, está ligado a uma visão mais ampla (Adamo, 2017).

Porém, no final do século XIX, a mecânica newtoniana deixou de desempenhar o papel de teoria fundamental dos fenômenos naturais. Muito embora suas ideias básicas estivessem corretas, elas eram insuficientes para explicar a descoberta de novos fenômenos. A eletrodinâmica de Michael Faraday e James Clerck Maxwell e a teoria da evolução de Charles Darwin envolviam conceitos que indicavam que o universo era muito mais complexo do que Descartes e Newton haviam imaginado (Capra & Luisi, 2014).

No início do século XX, os parâmetros da física clássica foram profundamente questionados. Seria preciso construir uma nova ciência? E foi assim que duas novas teorias da física abalaram os principais conceitos da visão de mundo cartesiana e da mecânica newtoniana: a teoria da relatividade de Einstein e a teoria quântica (Capra & Luisi, 2014).

Os conceitos sobre as noções de espaço absoluto e de tempo absoluto, as partículas elementares sólidas, a substância material fundamental, a natureza estritamente causal dos fenômenos naturais, e a descrição objetiva da natureza; não poderiam ser estendidos aos novos domínios para dentro dos quais a física estava avançando (Capra & Luisi, 2014, p. 60).

Física quântica

Surgiu, a partir de 1927, um novo modelo científico fundamentado na física quântica. As teorias quânticas estão na base de toda a ciência natural: química, biologia, cosmologia. Estão presentes ainda na constituição do universo como um todo. A própria descoberta do DNA se deu a partir da física quântica.3

Para a física quântica tudo é energia. Tudo no universo está vibrando, mas em padrões e frequências diferentes. A teoria quântica envolve conceitos como os de partículas - concentrações de energia que compõem corpos maiores; e ondas - energia em movimento, a radiação eletromagnética, invisível para nós.4

Atualmente, a presença da física quântica no cotidiano é muito ampla e a aplicação de sua teoria contribui de forma inestimável para o desenvolvimento da tecnologia moderna. Infelizmente, o conhecimento também foi utilizado para o mal da humanidade. Com as teorias quânticas, foi possível o surgimento de armas com forte poder de destruição em massa, como a bomba atômica (Adamo, 2017).

Entretanto, os conhecimentos da física quântica são utilizados em muitos dos produtos de nossa esfera de consumo, como o pen drive, o controle remoto, o microchip, a máquina fotográfica digital, o laser, a ressonância magnética e, até mesmo, o computador e os computadores quânticos, entre outros.5

Para entendermos a essência da física quântica, segundo os físicos José Carlos Valladão de Mattos e Fernando T. Giglio,6 alguns dos principais parâmetros são:

Princípio da Incerteza de Heisenberg: não podemos medir com precisão o momento, ou seja, a velocidade (a quantidade de movimento) e a posição de um objeto quântico, pois, quanto mais precisamente sabemos onde um objeto quântico está, menos sabemos sobre seu movimento. E quanto mais localizamos o movimento, menos sabemos onde ele está. Tal fato torna-se interessante por constituir-se uma impossibilidade ontológica, não se tratando, portanto, de falta de instrumental adequado.

Princípio da Complementariedade de Niels Bohr: qualquer objeto quântico - seja próton, elétron ou átomo - é onda e partícula. Onda e partícula são duas maneiras complementares, embora mutuamente excludentes, de um objeto quântico se apresentar ao observador.

Princípio da Equação de Ondas de Schrodinger: na física quântica não existe realidade objetiva independente da interferência da consciência. Qualquer objeto quântico encontra-se em um estado indefinido que consiste apenas de probabilidades e de possibilidades até que uma observação seja feita. Antes da observação, o objeto encontra-se em uma superposição de todos os seus estados possíveis. Erwin Schrodinger deu a isso o nome de equação de ondas.

Somente quando se observa o objeto é que ele é percebido e em apenas um estado possível, nunca em uma mistura deles. A esse fenômeno deu-se o nome de colapso de função de ondas.

O colapso de função de onda é a superposição de todos os estados possíveis, que apenas irão se colapsar em um estado único, a partir da observação. Quando o observador - portanto, a consciência - não está presente, os objetos quânticos comportam-se como ondas de probabilidades e espalham-se como qualquer onda normal. Porém, sempre que há um observador, as ondas entram em colapso e tornam-se objetos de experiência consciente.

Nenhum sistema físico, obedecendo às leis da física quântica, poderia fazer um colapso de função de onda e, a partir de um estado de superposição, produzir um estado particular. Somente um observador consciente, fazendo algo que a física não abrange, é capaz de promover o colapso de função de onda. Antes da observação, o átomo é uma função de onda, ou seja, apenas probabilidade.7

Esse parâmetro, diferentemente dos outros, ainda é questionado por físicos que se consideram "materialistas". Mesmo depois de tanto tempo, a presença do observador e da psique, como partes integrantes da experiência, ainda encontra resistências.

Não Localidade: trata-se de outro parâmetro quântico muito importante. No nível quântico, os objetos não existem independentes um dos outros. Trata-se de uma verdadeira teia de interconexões. A teoria quântica diz que tudo é energia e vibra no universo em padrões e frequências diferentes. Tudo está conectado a uma fonte vibratória original e existe um campo, uma força, uma energia que se move em tudo, através de nós.

Propriedades de Totalidade: o fenômeno quântico tem uma nova propriedade de totalidade, de maneira que não pode ter se formado em fenômenos parciais, sem que o fenômeno como um todo transforme-se em maneiras essenciais.

Na física quântica encontramos, ao invés de determinismo, incerteza e complementariedade; ao invés de objetividade, temos a não existência da realidade objetiva independente da interferência da consciência; ao invés de localidade, a não localidade; e do reducionismo, passamos para uma visão de totalidade.8

Saímos, portanto, de uma teoria clássica, pela qual o universo é composto por matéria, sem consciência, para uma nova teoria, na qual o universo é descrito pela relação entre mente e matéria.

Psicologia analítica

A relação da mente com a matéria sempre intrigou Jung. Sua atenção estava voltada à investigação da psique, à dinâmica do mundo interno e à relação com o corpo, temas que inspiraram a base de suas reflexões.

Como a psique e a matéria estão encerradas em um só e mesmo mundo, e além disso, se acham permanentemente em contato entre si, e em última análise se assentam em fatores transcendentes e irrepresentáveis, há não só a possibilidade, mas até mesmo uma certa probabilidade de que a matéria e a psique sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa (Jung, 1946/1991, p. 152, §418).

A psicologia analítica destacou-se pela análise e descrição do inconsciente - abrangendo o inconsciente pessoal (no limiar mais próximo à consciência) e o inconsciente coletivo (numa dimensão mais arcaica e primitiva da psique). Segundo Jung, o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou complementar em relação à consciência. Jung (1946/1991), afirma que: "entre a consciência e o inconsciente, não há uma demarcação precisa, com uma começando onde o outro termina. A psique forma um todo consciente-inconsciente" (p. 137, §397).

O objeto de estudo de Jung também foi a consciência, a análise de seu fluxo e sua influência no processo individual de descoberta do homem no mundo. De acordo com Jung, a percepção que o homem tem do mundo interno ou do mundo à sua volta é limitada pelos sentidos e pelo processo de tomada de consciência. No entanto, a ligação com o ego, o centro da consciência, é a condição necessária para tornar qualquer conteúdo consciente, conhecido.

Jung aprofundou-se nos estudos e pesquisas sobre as possíveis relações do inconsciente com a consciência e sobre a dinâmica existente entre eles e concluiu que, para se chegar à integridade, os sistemas consciente/inconsciente devem estar em relação mútua, pois, a psique consiste em duas metades incongruentes que precisam estar em conexão e diálogo para um bom funcionamento do todo e para alcançar a transformação pessoal.

Um ponto diferencial e importante na teoria junguiana é entender e descrever o inconsciente como uma fonte geradora do impulso criador. Segundo Jung, o Self é um padrão arquetípico que opera na psique, é o centro, é o fator que ordena todo o sistema psíquico.

A psique é um campo que gera tensão para evoluir; um jogo de energias e forças; somos movimentados por fenômenos internos, da mesma forma que por estímulos externos. "Ao me rebaixar, elevei-me como um outro. Ao me assumir, dividi-me em dois, e ao me conciliar comigo mesmo tornei-me uma pequena parte do meu si-mesmo" (Jung, 2013, p. 203).

De acordo com Jung, a relação entre o consciente e o inconsciente, o ego e o Self, é de fundamental importância para se manter o sistema psíquico em equilíbrio.

A comunicação entre o consciente e o inconsciente torna-se possível por meio dos símbolos (manifestações inconscientes) ou imagens simbólicas. Os símbolos fazem a ponte entre o ego e o Self e, quando um símbolo é constelado ou apreendido por uma pessoa, ele adquire uma capacidade potencial de ser um agente transformador, por meio da compreensão simbólica e da integração à consciência da pessoa.9 Assim, ele pode ampliar o conhecimento, o significado e o sentido de uma situação específica ou de grandes questões existenciais.

 

O diálogo entre as teorias

Ao se estudar os fenômenos da psicologia analítica, pode-se encontrar a existência de conceitos semelhantes àqueles mais divulgados e apresentados pela física quântica, o que possibilita um interessante diálogo, no qual psicólogo e físico se aproximam em suas análises, embora por caminhos distintos.

Quando se estuda as analogias existentes entre as duas ciências, é muito importante destacar a fundamental diferença: alguns físicos quânticos começaram a considerar a interferência das ideias conscientes do observador na experiência.

A maioria dos físicos modernos aceitou o fato de que o papel representado pelas ideias conscientes de um observador em todas as experiências microfísicas não pode ser eliminado. Mas não se preocuparam estes cientistas com a possibilidade de que as condições psicológicas totais do observador (tanto as conscientes quanto as inconscientes) também estivessem envolvidas na experiência (von Franz, 1964/2005, p. 308).

De acordo com Jung (2005), é a psique como um todo que está presente no processo científico - consciente e inconsciente juntos, envolvidos no fenômeno. É necessário o ser humano inteiro, com sua condição psicológica, pois, a totalidade da psique está presente nas experiências e interações das pessoas com o mundo. "Qualquer ciência é função da psique, e qualquer conhecimento nela se radica. Ela é o maior de todos os prodígios cósmicos e a conditio sine qua non do mundo enquanto objeto" (Jung, 1946/1991, p. 108, §357).

Para a física quântica tudo é energia. Por sua vez, a teoria analítica considera a energia como uma característica dinâmica da psique. Jung explicou que a energia vital, energia psíquica ou libido, está ligada a questões de força vital, como a vontade, a emoção, a paixão, o fluxo e o refluxo de interesses, curiosidades, desejos e necessidades. De acordo com Jung (1946/1991), "os conteúdos conscientes se tornam inconscientes, em decorrência da perda de energia, e que, inversamente, os processos inconscientes se tornam conscientes devido a um aumento de energia" (p. 113, §366).

Ao se refletir sobre um possível paralelo entre o Princípio da Incerteza de Heisenberg (não podemos medir o movimento e a posição de um objeto quântico, pois, quanto mais sabemos sobre sua localização, menos sabemos sobre seu movimento e vice-versa) e a teoria analítica, encontra-se a seguinte citação de von Franz (1964/2005):

O observador deve escolher o seu plano experimental, mas, ao fazê-lo, exclui (ou antes 'sacrifica') outros possíveis planos e resultados. Além disso, o mecanismo de avaliação deve ser incluído na descrição dos acontecimentos porque exerce influência decisiva, mas incontrolável, nas condições da experiência (p. 308).

Jung, em muitas passagens de suas obras, evidencia a impossibilidade de abarcarmos um fenômeno psíquico em sua totalidade (Jung, 1997).

De acordo com as análises de Jung, na complexidade da psique: "A consciência é relativa, porque seus conteúdos são ao mesmo tempo conscientes e inconscientes, isto é, conscientes sob um determinado aspecto e inconscientes sob um outro aspecto" (Jung, 1946/1991, p. 137, §397).

Não há, portanto, um conteúdo consciente que não tenha um aspecto que seja também inconsciente; e isso corrobora a ideia de que a psique forma um todo consciente-inconsciente, espiritual-material, corpo e alma. Como vimos, a comunicação entre o consciente e o inconsciente torna-se possível por meio dos símbolos ou imagens simbólicas. Contudo, não percebemos plenamente o sentido dos símbolos ou não os entendemos por completo, pois os símbolos têm um aspecto inconsciente mais amplo, que nunca é totalmente definido e explicado.

Na análise sobre o Princípio da Complementariedade de Niels Bohr (qualquer objeto quântico é onda e partícula e estas são duas maneiras complementares do objeto quântico apresentar-se ao observador) e a relação com os fenômenos da psicologia, von Franz (1964/2005), afirmou: "A ideia de Bohr a respeito da complementaridade é especialmente interessante para os psicólogos junguianos, pois Jung percebeu que o relacionamento entre o consciente e o inconsciente formam também um par completivo de contrários" (p. 308).

Como dito, para Jung (1946/1991), somente é possível manter o sistema psíquico em equilíbrio, quando o consciente e o inconsciente estão em relação. Entretanto, o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou complementar em relação à consciência e vice-versa. O consciente e o inconsciente são duas maneiras opostas e complementares; ambos são fundamentais para a dinâmica psíquica. "É verdade que nosso mundo e vida consistem dos opostos inexoráveis, dia e noite, bem-estar e sofrimento, nascimento e morte, bem e mal." (Jung, 1997, p. 246, §564).

Só é possível conhecer a existência da noite, se tivermos vivido a experiência do dia. Os opostos juntos formam a totalidade do fenômeno.

Ao se refletir sobre o Princípio da Equação de Ondas de Schrodinger e a possível analogia com a teoria analítica:

É importante lembrar que na física quântica, em vez de objetividade, temos a não existência da realidade objetiva, independente da interferência da consciência. Qualquer objeto quântico encontra-se em um estado indefinido que consiste apenas em probabilidades até que uma observação seja feita. Quando há um observador, as ondas entram em colapso e tornam-se objetos de experiência consciente.10

Eugen Wingner, físico ganhador do prêmio Nobel, atesta que o papel da consciência no âmbito da teoria quântica é imprescindível. Capra revela igualmente a importância do observador na produção dos fenômenos quânticos.

Para ele, o observador não só testemunha os atributos do evento físico, como também influencia na forma como essas qualidades se manifestarão.11 Pauli declara:

A ciência da microfísica, devido à 'complementaridade' básica das situações, enfrenta a impossibilidade de eliminar os efeitos da intervenção do observador por meio de neutralizantes determinados e deve, portanto, abandonar em princípio qualquer compreensão objetiva dos fenômenos físicos. Onde a física clássica ainda vê o determinismo das leis causais da natureza nós agora só buscamos leis estatísticas de probabilidades imediatas". [...] Nenhuma lei natural deve ser formulada dizendo-se "tal coisa acontecerá em tal circunstância". Tudo o que o microfísico pode afirmar é que "de acordo com as probabilidades estatísticas, tal fenômeno deve acontecer (von Franz, 1964/2005, p. 308).

Para a física quântica, átomos e moléculas não têm realidade objetiva, são apenas potencialidades.12

Segundo Jung (1946/1991), os arquétipos implicam em potencialidades psíquicas que poderão ser atualizadas ou consteladas na consciência.

Os arquétipos expressam e manifestam imagens universais, mitológicas, e refletem padrões de relacionamentos que pertencem a toda humanidade. Quando constelados na consciência, existem enquanto contexto, enquanto uma vivência humana individual. Jung (1997) escreveu que os arquétipos são tendências instintivas e formas de pensar a elas correspondentes.

Os arquétipos são, portanto, mediadores das tendências e potencialidades psíquicas.

Para conduzirmos ainda mais longe a comparação entre a psicologia e a microfísica: aquilo a que Jung chama arquétipos (ou esquemas de comportamento emocional e mental do homem) também se poderia chamar, empregando-se termos de Pauli, "probabilidades dominantes das reações psíquicas". [...] "Não existem leis que governem a forma específica em que o arquétipo vai emergir do inconsciente. Existem "tendências" que, mais uma vez, nos permitem apenas dizer que é provável acontecer um certo fenômeno em determinadas situações psicológicas (von Franz, 1964/2005, p. 308).

Entretanto, os arquétipos servem como ligações diretas entre a psique e o mundo físico, sendo que o aspecto psicoide do arquétipo serve de ponte entre o mundo interior e o exterior, entre a psique e a matéria. A natureza psicoide dos arquétipos pode estender-se além de uma base psíquica para padrões dinâmicos gerais de matéria e energia (Jung, 1946/1991).

A teoria quântica é intrinsicamente psicofísica. A ideia básica é que a realidade não é feita de qualquer substância material, mas sim de potencialidades dos eventos ocorridos.13

A consciência do sujeito que examina a trajetória de um elétron vai definir como será seu comportamento. Segundo Capra, a partícula é despojada de seu caráter específico se não for submetida à análise racional do observador. Ou seja, tudo se interpenetra e torna-se interdependente: mente e matéria; o indivíduo que observa e o objeto em análise.14

Por sua vez, na reflexão e análise sobre o parâmetro quântico da Não Localidade em relação aos fenômenos da psicologia analítica, observa-se que no nível quântico, os objetos não existem independentemente um dos outros. Tudo está conectado a uma fonte vibratória original, e existe um campo, uma força, uma energia, que se move em tudo, através de nós. A ideia central é a de que partículas em estado de emaranhamento se influenciam mútua e instantaneamente, independentemente da distância em que se encontram, realizando o processo chamado de não localidade quântica. Trata-se de uma verdadeira teia de interconexões - emaranhamento quântico.

De acordo com Jung, fazemos parte de uma rede dinâmica interligada. A tese de Jung (1946/1991) é a de que há uma dimensão na qual a psique e o mundo interagem intimamente e se refletem reciprocamente. Nos escritos de Jung (1946/1991): "não há processos psíquicos isolados, como não existem processos vitais isolados" (p. 28, §197). O autor também afirma que: "na representação arquetípica e na percepção instintiva, o espírito e matéria se defrontam no plano psíquico". (Jung, 1946/1991, p. 153, §420).

Jung tomou emprestado o termo "Unus Mundus" para falar da realidade potencial unitária, que engloba a dualidade psique e matéria. Nessa realidade potencial, encontram-se as pré-condições arquetípicas que vão determinar o fenômeno empírico, seja ele físico, seja ele psíquico.

Para a teoria junguiana, no mundo da matéria ou no mundo da psique, este Unus Mundus não tem tempo nem espaço; por isso, são possíveis os sonhos, as telepatias, premonições e clarividências. Em outras palavras, é algo que sai completamente da causa e efeito e que leva a um novo elemento.

Segundo Jung (1946/1991), as conexões existentes entre o mundo e a psique ocorrem quando os arquétipos operam simultaneamente, por meio dos fenômenos da sincronicidade, em ambas as esferas: a da psique e a da matéria.

A sincronicidade, no seu sentido mais restrito, seria a simultaneidade de um estado psíquico subjetivo com um evento externo objetivo, trazendo à consciência uma vivência significativa. Em outras palavras, é uma "coincidência" entre um evento psíquico e um acontecimento físico, que tem um significado importante para a pessoa de acordo com as questões e conflitos individuais.

A experiência da sincronicidade é a experiência humana da interligação, é um evento único e individual e, ao mesmo tempo, é a manifestação de uma ordem universal. A sincronicidade é carregada de emoção e traz um novo significado, um novo símbolo, um novo sentido, que até então não tinha sido percebido e vivenciado.

Jung acreditava na existência de uma força dinâmica operando nos bastidores que cria a ordem evidente nos fenômenos da sincronicidade. Para ele, existe na natureza uma fonte de todo conhecimento, um conhecimento a priori: o Self. Estamos permanentemente em contato com a unidade e com a totalidade e, quando necessário, esse conhecimento intuitivo pode nos ajudar.

O Self forma a base para o que existe de comum nas pessoas e no mundo. No Self, sujeito e objeto, o eu e o outro, juntam-se em um campo comum de estrutura e energia. "É a esta uniformidade fundamental da psique inconsciente que os seres humanos devem a possibilidade universal de se entenderem, possibilidade esta que transcende as diferenças das consciências individuais" (Jung, 1946/1991, p. 46, §227).

Quando o ego está em ligação com o Self, uma pessoa mantém-se em relação com um centro transcendente e pode-se dizer que a pessoa está conectada a uma realidade mais profunda e mais ampla do que as meras considerações pessoais e racionais típicas da consciência e de seus conflitos.

Uma última analogia relaciona o parâmetro de Propriedades de Totalidade com os conceitos da teoria junguiana. Este parâmetro descreve que o fenômeno quântico não pode ter se composto em fenômenos parciais, sem que com isso o fenômeno como um todo transforme-se em maneiras essenciais.

Jung (2005) considera necessário o ser humano inteiro e a totalidade da psique envolvidos no fenômeno, na observação e na interação com o mundo. Devem estar presentes consciente e inconsciente juntos, pois, não é possível separá-los sem comprometer o funcionamento de ambas as partes e sem comprometer o desenvolvimento humano como um todo.

Cada novo conteúdo que vem do inconsciente é alterado na sua natureza básica ao ser parcialmente integrado na mente consciente do observador. E cada ampliação do consciente do observador tem, novamente, uma repercussão e uma influência inestimáveis sobre o inconsciente (von Franz, 1964/2005, p. 308).

Quando a dinâmica psíquica entra em desequilíbrio, por meio de uma atitude unilateral da consciência ou pela invasão de conteúdos inconscientes que a consciência não dá conta de integrar, o sistema psíquico inteiro é afetado: nessa condição, as relações que se estabelecem na vida, o contato e a percepção da realidade podem influenciar a função dos fenômenos psíquicos.

Dessa maneira, a física precisou incorporar o elemento subjetivo do observador na sua pesquisa, que até então era supostamente objetiva. Enquanto que a psicologia, ao estudar a natureza subjetiva da psique, chegou à realidade objetiva dos arquétipos,15 das manifestações e imagens arquetípicas.

Como dito, a questão do sentido está ligada à procura da totalidade e a uma visão mais ampla. Há, então, com o novo paradigma, a possibilidade do retorno do significado e do sentido:

Como exemplo final da evolução paralela da microfísica e da psicologia, podemos considerar o conceito de Jung de significado. Onde, anteriormente, os homens buscavam explicações causais (isto é, racionais) dos fenômenos, Jung introduziu a ideia de procurar-se o significado (isto é, o "propósito"). Vale dizer que, em lugar de perguntar por que alguma coisa acontece (o que a causou), Jung pergunta: para que ela acontece? Esta mesma tendência aparece na física: inúmeros físicos modernos procuram na natureza mais as "conexões" do que as leis causais (o determinismo) (von Franz, 1964/2005, p. 309).

Existem sincronicidades entre o desenvolvimento das teorias e as descobertas da física quântica e da psicologia analítica, assim como, nas conclusões que ambas chegaram em relação à dinâmica do mundo, à teia de interconexões, à importância do ser humano e à fundamental necessidade da participação da subjetividade no processo de criação da realidade.

Como sabemos, apenas a força de vontade e determinação egoica não são suficientes para assegurar nossa ação no mundo. É preciso também a colaboração do inconsciente que, através dos seus símbolos, propicia a transformação da energia psíquica e a coloca à disposição da consciência para seus diferentes propósitos (Almeida, 2011, p. 16).

Por fim, cita-se aqui o quantum do físico quântico: cada mudança no estado do universo, embora induzida pela ação de um operador localizado, promove uma mudança global nas tendências que possam ser atualizadas.

Para a psicologia analítica, a conscientização do material simbólico arquetípico traz para o indivíduo a possibilidade de se relacionar com aquilo que se constela como probabilidade ou potencialidade. Nós constelamos nosso destino, bem como o da humanidade, constantemente a partir da conscientização de probabilidades arquetípicas. Na teoria junguiana, a psique individual influencia no todo e, por sua vez, a psique coletiva maciçamente focada é acompanhada de uma ampliação significativa no comportamento da matéria registrada.16

 

Considerações finais: a unidade psicofísica dos fenônemos

Na revolução que a física quântica promoveu, em busca de respostas objetivas, a ciência encontrou-se com questões subjetivas que envolvem a real condição da vida. O avanço da física quântica representa uma nova etapa da evolução humana, um estado de consciência em que a psique e a história pessoal das pessoas participam de maneira mais profunda na ordem desse universo.

As analogias das ideias descritas nas teorias da física quântica e da psicologia analítica sugerem, como Jung assinalou, uma possível unicidade final em ambos os campos da realidade que essas áreas do conhecimento estudam. Trata-se de uma unidade psicofísica de todos os fenômenos da vida (Jung, 1946/1991). "Pauli chamou o problema psicofísico de a questão mais importante do nosso tempo. Se nós não estamos presos a pressupostos materialistas, o Unus Mundus psicofísico de Pauli e Jung parece, de fato, ser a ontologia natural da mecânica quântica".17

Portanto, para ambas as ciências tudo está interligado e em conexão.

Refletir sobre isso traz uma nova responsabilidade e comprometimento, indicando que somos responsáveis pelo mundo em que vivemos e que criamos realidade todos os dias (Adamo, 2017).

Pode-se usar essa convicção para promover verdadeiras mudanças nas relações humanas: as questões do livre-arbítrio e da consciência ética recolocam-se para profundas reflexões.

Pode-se pensar nas crises sociais que as civilizações estão vivendo.

A real crise no mundo parece ser uma crise de consciência, uma incapacidade de experimentar diretamente a verdadeira natureza, uma incapacidade de reconhecer esta natureza nas pessoas, incapacidade de reconhecer o fato de estarem todos conectados.

Portanto, é emergencial refletir profundamente sobre a qualidade das conexões que estão sendo estabelecidas. Reconhecer o fato de que estão todos unidos, interdependentes em alguma dimensão, e, por isso, vulneráveis e diretamente afetados pelas consequências das escolhas e ações -- tanto em âmbito individual, quanto coletivo.

A consciência de que a vida tem uma significação mais ampla, que eleva o homem acima do simples mecanismo de ganhar e gastar, precisa ser resgatada. Os valores humanos não podem ser subjugados por valores comerciais. Ir em busca do profundo é um desafio pós-moderno, pois o desprendimento da nossa época distancia a pessoa do contato mais profundo com o "ser", do contato com a alma.

Tiramos de quase tudo o mistério e a numinosidade; poucas coisas ainda são sagradas. Poderíamos ter aprendido que, com a perda do numinoso, do simbólico, perde-se a razão de ser, o sentido da vida e da organização social (Capra & Luisi, 2014); e isso pode acontecer com um indivíduo em particular ou com uma cultura e uma sociedade inteiras.

Entretanto, a energia emocional que se manifesta nos fenômenos numinosos não deixou de existir -- mesmo quando ela desaparece do mundo da consciência, ela aparece em manifestações inconscientes (símbolos), que compensam certos distúrbios e desequilíbrios na dinâmica psíquica (Jung, 1946/1991).

Jung (1997) já chamava a atenção para a questão do ser humano não compreender e não reconhecer a influência dos fenômenos simbólicos e para os perigos de se viver de uma forma unilateral e de se relacionar com o mundo com base apenas nos conteúdos da consciência e da "razão".

Está completamente cego para o fato de que, com toda sua racionalidade e competência, é presa de forças entre as quais não tem controle algum. Seus deuses e demônios receberam apenas outros nomes, mas não desapareceram. Perseguem-no através de insatisfações, vagos temores, complicações psicológicas, necessidade incontrolável de comprimidos, álcool, fumo, dietas, cuidados higiênicos e, sobretudo, através de uma importante série de neuroses (Jung, 1997, p. 243, §555).

Somos, portanto, todos responsáveis pelos caminhos que escolhemos seguir, pela realidade que criamos e pela qualidade das experiências que eles nos proporcionam, como também, por suas devidas consequências, que podem ser boas ou más, tanto para o indivíduo quanto para a sociedade.

E é procurando aprimorar as nossas relações, escolhas e atitudes que, simultaneamente, podemos influenciar nas mudanças do mundo. De acordo com Jung (1994), aquele que fere ou cura alguém, na verdade está ferindo ou curando a si mesmo.

O mais alto interesse da sociedade livre deveria ser a questão das relações humanas, do ponto de vista da compreensão psicológica, uma vez que sua conexão própria e sua força nela repousam [...] onde acaba o amor tem início o poder, a violência e o terror (Jung, 1997, p. 253, §580).

A reconexão com a alma e as conexões com as pessoas e a natureza podem ser entendidas como o enraizamento existencial à vida psíquica. E o afeto facilitador dessas conexões deve ser o amor. O amor e a busca de sentido e significados nas relações, experiências e ações durante os processos da vida. Procurar ser fiel a si mesmo e ao processo de individuação.

Se queremos verdadeiramente mudar o mundo, então, que comecemos por nós mesmos. "Como é necessário que toda a transformação tenha início num determinado tempo e lugar será o indivíduo singular que a fará e a levará a término." (Jung, 1997, p. 260, §599).

 

Referências

Adamo, C. (2017). A dança como função transcendente (Monografia não publicada)., Instituto Junguiano de São Paulo), São Paulo.

Capra, F., & Luisi, P. L. (2014). A visão sistêmica da vida. São Paulo: Editora Cultrix.

Infoescola. (2017). Física. Recuperado de http://www.infoescola.com/fisica/.

Jung, C. G. (1991). A natureza da psique (OC, Vol. VIII/2, Pe. Dom Mateus Ramalho Rocha, trad., 3a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1946).

Jung, C. G. (1994). Memórias, sonhos, reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Jung, C. G. (1997). A vida simbólica (OC, Vol. 18/1, 2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.

Jung, C. G. (Org.). (2005). O homem e seus símbolos (10a ed.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Jung, C. G. (2011). Estudos alquímicos (OC, Vol. 13). Petrópolis, RJ: Vozes.

Jung, C. G. (2013). O livro vermelho (Ed. sem Ilustrações). Petrópolis, RJ: Vozes.

Stein, M. (2004). Jung: o mapa da alma. (3a ed.). São Paulo: Cultrix.

Von Franz, M-L. (2005). O processo de individuação. In C. G. Jung (Org.), O homem e seus símbolos (10a ed., pp. 158-229.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. (Trabalho original publicado em 1964).

Almeida, V. L. P. (2011). Movimento expressivo: a integração fisiopsíquica através do movimento. In E. B. Zimmermann (Org.). Corpo e individuação (pp. 15-38, 2a ed.). Petrópolis, RJ: Vozes.

 

 

Recebido: 14 ago 2019
1a revisão: 10 jan 2020
Aprovado: 21 jan 2020
Aprovado para publicação: 6 mar 2020

 

 

Conflito de interesses: A autora declara não haver nenhum interesse profissional ou pessoal que possa gerar conflito de interesses em relação a este manuscrito.
Minicurrículo: Cristiane Adamo - Analista membro do Instituto Junguiano de São Paulo (IJUSP), da Associação Junguiana do Brasil (AJB) e da International Association for Analytical Psychology (IAAP) em Zurique, Suíça. Psicóloga clínica, atendendo crianças, adolescentes e adultos. Realiza supervisões individuais e em grupos. Membro do Departamento de Arte e Psicologia da AJB e do Núcleo de Arte e Psicologia Analítica (NAPA) do IJUSP. Pesquisadora no Núcleo de Estudos Junguianos (NEJ), e mestranda pelo Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: cristiane.adamo@gmail.com
1 J. S. Giglio (comunicação pessoal, 23 jun 2018).
2 J. C. Valladão de Matos, J. C. Giglo, F. T. Giglio, C. R. Xavier, & J. S. Giglo (comunicação pessoal, maio a junho de 2018).
3 Curso "Fundamentos da física quântica: relações com a psicologia e a filosofia", coordenado por Joel Sales Giglio e ministrado pelos professores convidados: César Rey Xavier, José Carlos Valladão de Mattos, José Fernando Trevisan Giglio e Joel Sales Giglio, no Instituto de Psicologia Analítica de Campinas - IPAC, entre maio e junho de 2018, na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, Campinas, SP; palestra proferida por A. L. B. Aufranc no curso "Um novo paradigma: psicologia analítica e física quântica, promovida pela Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, São Paulo, SP, em 16 maio de 2016.
4 6 , J. C. Valladão de Matos, J. C. Giglo, F. T. Giglio, C. R. Xavier, & J. S. Giglo (comunicação pessoal, maio a junho de 2018).
5 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
7 J. C. Valladão de Matos, J. C. Giglo, F. T. Giglio, C. R. Xavier, & J. S. Giglo (comunicação pessoal, maio a junho de 2018).
8 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
9 J. S. Giglio (comunicação pessoal, 23 jun 2018).
10 J. C. Valladão de Matos, J. C. Giglo, F. T. Giglio, C. R. Xavier, & J. S. Giglo (comunicação pessoal, maio a junho de 2018).
11 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
12 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
13 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
14 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
15 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
16 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).
17 A. L. B. Aufranc (comunicação pessoal, 16 de maio de 2016).